sábado, 14 de outubro de 2017

Os meus dias sem ti



São dias de tudo.

Mesmo longe, há dias sem ti em que te tenho. São os meus dias sem ti preferidos.
São dias de paz e conforto em que sinto o teu calor.
Dias de uma saudade aconchegante quando te chegas a mim, mesmo à distância, quando não te chamo.
Mais dias em que te olho e te sinto e te ouço e te toco, assim, perfeito.
Nada a mudar. Tudo para amar e cuidar.

Mas são mais os outros dias sem ti. Dias de inquietude quando escolhes estar ausente..
Neste desassossego o meu corpo abriga-se - a minha pele de solidão, os meus lábios de abandono, as minhas mãos de vazio.

E os dias em que não sou perfeita para ti. Quase todos os dias, descubro.

Os dias em que não sou bonita, nem carismática, nem apetecível, nem nada. Os dias em que a minha voz não te embala, em que a minha mão não agarra a tua.
Os dias em que o meu abraço não te salva.
Os dias de menos e de pouco.

 E aqueles dias sem ti sem qualquer possibilidade de busca, sequer. Sem possibilidade de procura, em que a tua ausência é um facto que não se expõe a argumentações. Os dias sem paradoxo, em que escolhes a realidade onde eu não existo. E onde essa realidade te preenche, te satisfaz, te realiza.

Esses são dias em que me sinto pequenina, brilho ténue, quieta, estrela das mais distantes, daquelas que mal se dá pela sua existência. Tanto, que quase nem tem consciência de si própria.

E há dias sem ti em que sei que bate o coração, mas não o ouço; E o ar que sei que inspiro também não o sinto. As cores reconheço-as de memória. E os aromas, invento-os. O olhar deixo-o divagar, solto, sem pousar em nenhum lado e alheio aos que o provocam.
Porque é preciso encher o coração. De uma imagem perfeita, de um som perfeito, de afagar um gato desconhecido que se deixa aproximar. De tocar as pedras antigas, rugosas e frias, e sentir tudo o que guardam - ouvir os seus segredos, deixar lá os meus. Ter o que sentir. Agarrar. Guardar.

Porque é preciso encher estes dias. E talvez um dia deixe de haver um verbo para isto. Uma acção. Talvez um dia... Nao sejam mais os dias sem ti. Serão dias sem abandono, sem rejeição, sem esquecimento.
Contigo ou sem ti. Porque há sempre alguém atento ao céu estrelado.
E parar, só quando pudermos fechar os olhos, encher o peito e pensar que amanhã é outro dia.

Em reticências.

As coisas que me desejo

Ser a pessoa favorita da minha pessoa favorita.

Um raio de sol para ti, rosto.

Uma mão dada em passeio, sem pensar.

Uma brisa que te faz fechar os olhos.

Adormecer com um sorriso nos lábios.

O bater do coração no peito daquele alguém.

Abraços a sério. Sempre.

Pequenos almoços de surpresa.

Chocolate quente.

Dias de chuva. De mim e de chuva. Juntos. E da minha pessoa favorita.

Dias de preguiça.

Dias de aventuras.

O olhar de um gato que reconhece a tua existência.

Livros.

Fazer felizes as minhas pessoas. Todos os dias.

Sentir-me amada. Todos os dias.

Sentir-me tranquila e acreditar que é para sempre.

E não...

As vezes a ausência faz esquecer. Ainda que temporariamente.
As voltas na cama imensa, mais imensa que real. As pálpebras cansadas por se forçarem a estar cerradas. A inquietude no coração. O caos no pensamento.
A rendição ao estender a mão para acender a luz e puxar para si a caneta e o papel.
A posição desconfortável.
O não pensar - o ser movido, guiado. O não estar ali sequer. O não saber nada.

Palavras de noite, papel de luar.

Sem motivos. Sem contextos. Sem destinatários. Sem intenções.

Continuo a achar que não tenho nada para dizer, no entanto.

Saudades deste movimento. Saudades deste som - a tinta desenhada no papel rugoso (escolhido propositadamente para esse efeito). O som da escrita num arrepio.

A saudade de mim nestas linhas negras cortando o branco pálido da minha solidão.

Vivo este papel e esta tinta que me mancha os dedos. A forma que têm as palavras - umas mais que outras.
Onde me encontro sempre. Onde sou sempre recebida.

E reparam que, mais uma vez, não disse nada?


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

A cabana



Era tarde. Saiu da casa principal pela porta traseira que dava para o jardim. Deixou para trás o silêncio e fechou a porta devagar. Voltou as costas à casa, encheu o peito e avançou cortando a noite.
Percorreu, na escuridão, o trilho por entre os abetos quase por intuiçao. Pisando a terra molhada, as folhas e pequenos ramos caídos. A toda a volta sentia a presença, em movimentos subtis nas árvores, de criaturas que não distinguia, de olhos que nao via, e, por todo o lado a ser observada. Continuou, sentindo-se uma verdadeira pioneira desbravando a noite passo a passo. Ao longe via a silhueta do seu destino. Ou naquele caso, do seu refugio - a cabana.
Chegou até á cerca de madeira, e ás apalpadelas la abriu o cadeado. O barulho causou algum rebuliço por entre as ovelhas que dormiam, ali, mais perto do que julgara. Voltou a fechar o cadeado atras de si e voltou-se em direccão á porta da cabana. A chave paciente na fechadura. Rodou-a e a porta abriu, sem esforço. La dentro a unica missão era encontrar e acender uma vela. Mesmo á entrada. Tudo a correr bem. Assim que se fez chama todos os objectos ganharam vida. Nas tres pequenas janelas o reflexo daquela chama multiplicado. A dança coreografada em plena harmonia. 
Com as mãos coladas ao vidro olhou e conseguiu ver as estrelas. Só. Nada mais se via ou adivinhava.
A cama, perfeita, aconchegou-a num calor e conforto só até ali sonhados.
Lá fora o ar frio e quase rarefeito, como tu, as vezes. 
Naquele instante pensou: Isto é tudo o que existe. Isto e o vento la fora que o ouço. Nada mais. Nem o mundo, nem as estrelas, nem as ovelhas e nem tu nem o teu peito ou a tua voz a sussurrar-me ao ouvido. E nem o frio lá de fora, que vinha das tuas mãos, existe, afinal.
Isto, aqui, neste momento, comigo dentro, é tudo o que existe.
E era verdade.