sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Poema do Homem Só

Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nehum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.

Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.

António Gedeão

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Instantes

Naquele instante sabia que só Deus mantinha o seu lugar no mundo. E que só Deus o reconhecia. Apesar disto, não era uma mulher religiosa, melhor, não tinha uma ideia religiosa de Deus. No entanto, a ideia que tinha de Deus era o mais próximo de humanidade que tinha. Estava sozinha. Mas se não estivesse não poderia ter aqueles momentos, que aquele Deus lhe oferecia. Era uma noite de Outono. A lua estava quase redonda, parecia imensa...Permanecia, Senhora, por entre algumas nuvens escuras que afastava com a sua vontade, para se poder mostrar com todo o seu esplendor. Entre elas não haviam sombras. Não havia nada. Na solidão e no vazio a Verdade é pura e una. Não há enganos, nem mentiras. Sentia apenas a presença do Amanhã. O amanhã que mantém longe o resto do mundo. Este amanhã é como voltar a uma cama ainda quente de nós; E ficarmos...
Estava só, mas sentia-se plena. Sabia que era um momento. Sabia que ía perder aquela sensação.
«Vês-me, absoluta e magnífica?» -dizia-lhe lá do alto....

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Se te encontro no fundo de mim

Estava preparada!
Levava força, coragem e determinação. Entrei pela porta em arco, feita de pedra e de tempo.
Não hesitei. Também não tinha pressa.
Ao passar o arco, o sol desceu. O lusco-fusco!
Iniciei a descida, palavra a palavra.
Só não tive medo porque me apoiava na sensação de que me olhavas.
A minha mão deslizava suave mas firme. Segura.
Fui descendo mais palavras sentindo-as sob os meus pés descalços.
O ar que eu inspirava estava cheio de tempo.
Enchia o peito como se o quisesse guardar para sempre.
 E fui descendo, descendo, e parecia não ter fim...
 Não sabia, então, que o infinito também asfixia.
Continuei a descer quando de repente a mão caiu no vazio.
Refiz-me do pequeno desequilíbrio, e continuei.
Fui sentindo o esforço da descida aumentar.
Como se o espaço entre cada palavra fosse cada vez maior.
E era. Já não conseguia descer como até então. Tinha que saltar sobre um vazio que eu não via.
E saltava. E caía. E cada vez mais levava mais tempo nesta queda.
Cada nova palavra era mais difícil de atingir.
E naquele que eu não sabia ser o último salto, já sem a meia-claridade,
O chão não veio.
E por isso não caí. Podia mover-me e tocar, se houvesse mais que vazio. Mas não havia.
Tinha chegado ao lugar onde não me olhavas, onde não me tocavas.
Tinha chegado ao lugar onde eu não existia.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Segundo

As vezes fico sentada em silêncio, fecho os olhos, 
e sinto que a minha alma se deixa embalar por este mesmo silêncio
como a copa das árvores pelo vento, ao longe...

terça-feira, 27 de julho de 2010

Escuridão

Não gosto da escuridão nas palavras.
Gosto da escuridão da noite sobre o mar
Gosto da escuridão que faz eco numa gruta sem tempo
Gosto da escuridão de um bolo de chocolate ou de um café amargo
Gosto da escuridão que deixa uma vela quando se apaga
Gosto da escuridão debaixo dos lençóis..
Mas não gosto da escuridão nas palavras.

domingo, 25 de julho de 2010

As minhas palavras são lugares onde espero por ti... 

O luar traz-me os vagos contornos dos eucaliptos,
o vento desvenda-os um pouco mais... 

E no peito, expandido, o ar leve de uma noite de verão...

Pouso o Sonho nas asas do Tempo. 

Embriagada nesta composição cujo principio não distinguí,
vejo as asas que se expandem, imensas como o horizonte,
a sua sombra sobre o mar prateado, a lua submissa... 
Vejo-as abraçando o mundo...
Abrem-se e sou Sonho pousado;

O mundo imenso e real torna-se pequeno,  
Sobra espaço entre as asas...
E este espaço é o nosso segredo.

Caminhos

Que difícil que é o processo de aceitação...Ha que negar, duvidar, questionar até à essência das coisas. Para aceitar qualquer coisa fora de nós, é preciso que em nós não haja conflito. E por isso é tão difícil, porque perdemos tempo com o óbvio, a olhar para fora de nós e a questionar sem cessar, em todas as direcções, e como fase anterior à aceitação há que criticar muito, julgar muito...E perdemos de facto tempo porque quando assim é, o ponto de interrogação dança cá dentro, e não la fora. A dificuldade está em nós e não naquilo que não compreendemos. Muitas vezes o objecto que nos aflige nem se dá conta da nossa presença...”Nós” não aceitamos. Que expectativas da realidade a nossa mente terá criado para que isso aconteça? Para que nos sintamos defraudados, com a revolta de quem é apanhado desprevenido e enganado?.... O nosso orgulho tem por hábito ofuscar o que é diferente...só o que é diferente, porque se regozija com o que é igual.O “igual” é bom.O “igual” somos nós. O “igual” aceitamos. Mas o que é diferente...porque é que é diferente? Porque quer ser melhor?..A nossa mente pequenina apressa-se a fazer os julgamentos todos de que é capaz, com todas as medidas que conhece. Sente-se ameaçada, não entende.


O que é diferente, é assim porque é a sua natureza.Porque é assim que funciona.E o que é igual também. Não há medidas de valor. Não tem de haver. Somos tão diferentes que não faria sentido que tivéssemos que seguir os mesmos caminhos, já que há tantos...o eremita que se isola do mundo, vivendo em si, até ao que vive com toda a intensidade as paixões que a vida lhe permite. Ambos caminham, e não há quem possa afirmar que um deles está errado. Para o eremita não faria sentido dedicar-se ás paixões....Para o boémio há que viver tudo para aprender tudo, com ou sem consciência. E o caminho de um não impede o caminho do outro...Não estão indiferentes.Vivem intensamente o que sentem. O mundo é-nos necessário a todos, de uma forma ou de outra, ou não estaríamos cá. Mas não temos que usufruir dele da mesma maneira, não temos que o viver da mesma maneira. Não temos que nos entristecer com as mesmas coisas ou sorrir perante as mesmas imagens. Não aprendemos todos usando o mesmo método. Não são as mesmas pessoas que nos influenciam, porque não são as mesmas pessoas que nos fazem sentir as mesmas coisas. E não aprendemos tudo com todas as pessoas.Como numa aula, é preciso que nos falem na mesma linguagem do nosso raciocínio. E o que fazer se isso não acontece, o que fazer se a nossa linguagem não é comum no lugar que escolhemos para aprender? E se os outros raciocínios não nos fazem sentido? Passamos o tempo que nos foi dado a tentar mudar, a mudar aquilo que é a nossa essência? Fará mais sentido? Para quem?...O nosso caminho...

Não há caminhos mais importantes, há o nosso caminho, e há a coragem para vivê-lo.E há tanto encanto nisso... A compreensão dos outros só nos é necessária enquanto não nos aceitamos. E enquanto eles próprios não se aceitam. A aceitação de quem somos traz-nos a paz para aceitar o que nos rodeia. E aceitar é também amar. É dar luz e calor quando  alguém vive a noite do deserto. Mesmo quando é o deserto que nunca vimos ou a noite que nunca sentimos...

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Faltam palavras...

Faltam palavras...Faltam palavras nas minhas mãos...
Palavras que não escorregam pelos meus dedos...
Palavras que não tocam a superficie rugosa do papel de que tanto gosto...
Faltam palavras batendo no peito,
Correndo nas veias sob a minha pele,
Faltam palavras na história que ficou por contar
Que fez sentir mais que dizer.
Faltam palavras assim...
Escondem-se na ponta do meus dedos, latejando...
Esperando...
Sinto-as como terminações nervosas que chegam onde nenhuma outra parte de mim pode chegar...
Que me levam e me trazem sem que eu me perca.
As palavras são como o abraço de quem ama - eterno
e com a promessa infinita da possibilidade.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Chuva

Vem rasgar o escuro.
Vem desfazer o silêncio em mil gotas perfeitas, em cada janela,
por cada segundo...
Vem trazer-me o teu cheiro...deixa-me beber-te, embriagar-me de ti..
Sentir só o teu ritmo lento, constante e o teu peso...em mim...Envolve-me no calor que vem da terra quando passas...adormece-me...
Deixa que eu me perca em ti...do mundo.
Por um momento...só por um momento.
E depois acorda-me devagarinho, como eu gosto,
numa cama quentinha e com um aroma a café no ar ...
para o mundo...
Acorda-me devagarinho para o mundo...