segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Parte II

Então, depois de tudo, quero dizer-te mais uma vez: não te chegues a mim. Não me estendas a mão que consigo vê-la. Sem peso e sem cor, lembras-te? Entendo a partilha. Entendo que há coisas que mantemos secretas em nós e que nos trazem em alguns momentos alento e algum encanto, até. Mas do meu lado da muralha não existe um castelo de contos de fadas, nem um reino próspero e grandioso. Então, quando vejo a tua mão, é tudo o que vejo. Compreendes? E quero tocar-lhe. E depois quero segurá-la. E sei que logo a seguir quero puxá-la para mim. Mas sei que tenho que ficar quieta, não querendo. Por isso não me estendas a mão...
Esperavas que fosse mais crescida? Imagino os traços de condescendência no teu rosto...Não sou.
Quero ser livre. Quero correr só porque os meus pés se movem com vontade própria. Só. Quero tocar, e agarrar e puxar só quando, por instinto, o meu braço se estende. Quero sentir-me feliz com a inquietude a bailar na minha pele, não prisioneira.
Não te preocupes, se fico a percorrer o meu lado da muralha, sem ti. Não penses nisso, sequer, aí no teu castelo de contos de fada. Apesar de tudo, há um chão que piso descalça com prazer. Sei parar e sentir o sol no rosto e sei dançar com a chuva, sim, com ela, sem frio e sem vergonha. Livre, leve... E todas a vezes em que te esqueço é porque me deixo embalar pelo som e pelos gestos das árvores, estranhamente constantes.E aqui entre nós, há sempre uma árvore no meu caminho.

Parte I

Dizes-me que é quente, o que nos une. Algo que partilhamos ao qual não dás um nome.
Vens até mim sem que os teus pés se movam. Dizes o meu nome. Ouço que chamas por mim. Duas coisas diferentes. Ao responder-te estou a buscar-te. Sabendo, não querendo. Os meus pés não se movem,não se arrastam sequer,mas há poeira no ar. E basta uma palavra tua. E há dias em que nem preciso de uma palavra tua. Quando me chamas sei que estás só a dizer o meu nome. Sei, não querendo. E enquanto finco os pés no chão, com um medo enorme de que desatem a correr sozinhos, respondo-te, apenas.
Enquanto falas e enquanto eu respondo,nada mais se passa e nada mais é assustador. Como se não houvessem consequências.O problema, é, que, não consigo evitar que a tal poeira se levante; A mais ténue presença ou proximidade com que me presenteias ou provocas é o suficiente para que o meu peito se encha de ar mais depressa e mais vezes.Quero ficar do meu lado, no meu canto. Quero mesmo, sabes? Não quero fugir de ti ou esconder-me, não quero ficar quieta sem querer.Não quero que me obrigues a pensar, pensar, pensar!!Não te chegues a mim. Não te lembres. Que não te ocorra o que nunca foi e nem o que poderia ter sido. Não me deixes perceber se me olhas.Não me trarás esta inquietude de dentro. Não me farás tremer os membros, nem trarás esta fragilidade e esta impotência que revoltam o caos na minha mente.
Só a distancia me pode apaziguar.E o tempo. E não apenas esta distancia física, porque não importa se estás na mesma cidade que eu ou não, porque quando me mostras que te lembras eu tremo. E não te iludas: tremo de pavor. Porque a sensação de quem sou, contigo,demora muito a passar.Muito... E não tenho como evitar. Um pensamento e é tarde demais.Não te sei mandar embora. Não de mim.Não depende de ti. E leva-me à loucura não depender de mim.Não depender de mim o que sinto. Não ter o meu corpo submisso à minha vontade. Não ter o tempo do meu lado; E a distancia, que me devia ser fiel, ser apenas oca e leve e frágil. A distância que noutros tempo construímos juntos, como uma muralha, densa e larga, agora não tem peso nem cor.Apesar disso, continuo do lado de cá e tu do lado de lá.

domingo, 29 de julho de 2012

A mulher

Vi-a várias vezes... A mulher que eu dizia ser uma mulher-avó.Era velha. Ou estava velha.O cabelo grisalho, corte masculino, sem forma, como se o tivesse cortado ela mesma. A pele escura.Enrugada. Suja. O corpo magro, magro de fome, coberto por roupas demasiado gastas, como a pele,e sem forma, como o cabelo. Roupas sem estação. Vi-a a caminhar, sempre.Mas não como quem percorre um caminho. A caminhar como quem não tem caminho. Nem destino. Nem sequer um ponto de partida. Caminhava. Voltava para trás.E eu não percebia.Doía-me a ausência daquela história. Doía-me vê-la.Doía-me senti-la em mim. Ver-me nela num tempo em que o tempo não existisse.Num tempo em que a brisa morna de um pós por de sol ja nao me acariciasse a pele, e já não me trouxesse nenhum encanto, nenhuma magia.Doía-me senti-la lúcida, presente em cada passo. Mais ainda... A consciência de caminhar sem caminho. A consciência de morrer antes do corpo, com um peito que ainda aguenta um bater constante. A consciência de não sentir.De não sentir nada.
E ainda assim caminhar.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Amor-perfeito

O primeiro contacto veio pelo olhar, pelo movimento e pelo som, forte, intenso e rítmico,qual exército espartano.
Na praia, deserta ou não, finca os pés na areia, absorve lentamente todas as sensações e fita o mar uns metros adiante.Avança. Avança firme e destemida. Avança até ao primeiro confronto. O primeiro toque. Fria, a espuma branca não a detém, avança impiedosamente, invade-o, levantam-se  os braços, abraçam-se.
É a conquista e a rendição.Num amor-perfeito.